Artigo de Ricardo Breier, presidente da OAB/RS
Um sentimento de perplexidade e indignação foi externado por centenas de advogadas e advogados gaúchos após a publicação de artigo veiculado na edição de fim-de-semana (24/25) do jornal Zero Hora. O articulista mal comparou o princípio processual da colaboração com a pretensa falta de atitude colaborativa da advocacia e da própria OAB para acelerar a digitalização de processos físicos.
A razoável duração do processo é um direito assegurado inclusive em normativas internacionais e com frequência violado. Logo, para a advocacia, longe de ser inédito reivindicar perante o Poder Judiciário - como poder estatal preponderantemente ainda responsável pela administração da justiça - que se deixe de cometer a maior das injustiças que é a justiça tardia.
Dessa forma, o que surpreendeu negativamente a advocacia é querer se atribuir aos prejudicados pela ineficiência de um poder de Estado a responsabilidade por sua solução.
A proposição demonstra-se absolutamente desconectada da realidade. Primeiro, porque dissociada do cotidiano dos foros e das agruras vivenciadas, há muito, pela advocacia gaúcha em representação de seus constituintes, cidadãs e cidadãos vivendo em solo gaúcho. Depois, mais ainda do tanto que já foi feito pela sociedade civil organizada para auxiliar um poder construído na realização a contento do serviço público que justifica sua existência.
O articulista revela desconhecer que a advocacia vem colaborando com a digitalização dos processos, os quais, na sua grande maioria, estão aguardando a indexação – que só pode ser realizada pelos servidores do Judiciário. Muitos advogados e advogadas já incorporaram este espírito colaborativo, que nada tem a ver com colaboração processual, frise-se, de assumirem a digitalização de processos. Ainda que isso aconteça num período de sério comprometimento econômico, agregando custos sem contraprestação de tal serviço, com o objetivo simplesmente de obter o andamento de processos nos quais representam partes que litigam entre si e buscam no Poder Judiciário a administração da justiça.
Outra questão a ser mencionada é que a OAB/RS não recebe um centavo de recursos públicos do orçamento, sendo sua receita exclusivamente da contribuição da própria advocacia, de maneira que, da mesma forma, seu auxílio na digitalização de processos seria atribuir aos profissionais da advocacia o custo da própria jurisdição. Grosso modo, seria exigir publicamente e constranger o Conselho de Medicina a carrear recursos ao SUS para atender as dificuldades de superlotação das unidades hospitalares no atendimento de pacientes em vez de denunciar a calamidade e cobrar resultados das autoridades públicas responsáveis.
Ainda, a opinião do articulista demonstra desconhecer decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em processo que determinou que caberia ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) adotar medidas para a digitalização dos autos físicos. Em tal precedente, em voto convergente com o conselheiro relator, o conselheiro André Godinho registrou que os tribunais não podem inovar na ordem jurídica “criando dever de natureza processual não previsto em lei”. Tal posicionamento consta no Relatório CNJ 2019-2020, do conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues – item 2.2.5 Digitalização de Processos.
Por fim, é fundamental reforçar que a OAB/RS não tem associados, tendo posição institucional ímpar no constitucionalismo brasileiro inclusive de defesa da própria ordem jurídica, bem como representa, como conselho profissional, aos advogados e às advogadas que pelo múnus público que exercem são essenciais ao funcionamento da justiça.
Num momento tão complexo pelo qual estamos passando, manifestações isoladas e descoladas da realidade acenam para um tom surreal. A vida como ela é exige conhecer a realidade para poder dimensionar a gravidade da situação e efetivamente contribuir para sua solução e para a devida responsabilização daqueles que não se desincumbiram adequadamente de suas funções sem tergiversações desagregadoras.
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